Negociação é a arte de se reinventar

Tempo de leitura: 6 minutos

Querendo ou não, todos os dias precisamos negociar alguma coisa com alguém, isso faz parte do nosso cotidiano: negociamos o preço de alguma coisa que queremos comprar, o custo de nossos serviços, o filme que queremos assistir, defendemos uma ideia que queremos implementar,  negociamos o destino das férias, a estratégia que julgamos mais eficiente para atender algum objetivo a ser cumprido.

Negociar faz parte da vida e trocando em miúdos significa conseguir o que queremos do outro. Só que mesmo sendo algo rotineiro, podemos obter sucesso ou ficarmos insatisfeitos, estressados, chateados ou até mesmo frustrados se a coisa não fluir do jeito que desejamos.

A caminhada até chegar aos 80 anos me trouxe muitos desafios nas quais tive que aprender na prática a arte de negociar, procurando resultados que gerassem ganhos mútuos sempre que possível. Às vezes tendo que ser duro nos méritos da negociação, mas suave com as pessoas.

Aprendi muito também com o meu pai e o meu tio, afinal comecei a vida profissional trabalhando com eles, na empresa da família e como eles eram muito rígidos, resolveram que eu deveria começar pela Seção de Pessoal, que hoje se chama Recursos Humanos.

Quando temos que trabalhar com pessoas, precisamos aprender a negociar, porque temos que conciliar necessidades, expectativas, reclamações, direitos, deveres e isso não é uma tarefa fácil. Um está com a mãe doente, o outro está com a avó morrendo, o filho fugiu da escola, o dinheiro tá faltando, a concorrência está de olho nos nossos melhores profissionais e assim vai… Tem que saber negociar porque a fábrica não pode parar de produzir. Tem que aprender a entender de gente, sincronizar o que é bom para as pessoas e também para a empresa e essa foi, sem dúvidas, a melhor especialização que poderia ter feito sobre negociação.

Com o decorrer da caminhada, eu assumi a diretoria do Sindicato Patronal de Papel e Celulose do estado de São Paulo e fiquei, durante muitos anos, fazendo contato com os diretores de todos os sindicatos dos trabalhadores. Eu passava dois dias, por meio período, atendendo a todos que me procuravam para ouvir o que tinham a dizer e, na medida do possível, resolver, levando em conta que a forma como conduzíssemos aquela conversa poderia ser a chave para o sucesso das futuras negociações.

Muitas dessas conversas resultavam em almoços ou jantares para alinhavar expectativas, afinal negociar nada mais é do que uma boa costura, que precisa ir aos poucos, devagar e parcimoniosamente, sem “perder a linha”, com destreza, dignidade, para um resultado final com bom caimento; agindo com honestidade, falando a verdade.

Essa experiência sindical me ajudou muito no aprimoramento da habilidade de negociar em qualquer âmbito da minha vida!

E para ilustrar o tema, lembrei agora de uma fábrica de máquinas e equipamentos para a indústria de papel e celulose, a Voith, com quem tive a oportunidade de fazer excelentes negócios graças à essa habilidade desenvolvida na prática.

O presidente da Voith era um alemão sensacional, Dr. Joaquim Frieze, que foi uma pessoa muito interessante na minha vida, porque exercitamos o exercício da negociação de uma forma bem diferente para os padrões do mercado.

Frieze tinha um diretor de vendas chamado Babucke, que se tornou um amigo e sempre que nos visitava na fábrica da Papirus fazia questão absoluta de nos oferecer o almoço e esse convite era extensivo ao grupo de técnicos envolvidos nos novos projetos.

Esse grupo era responsável em pesquisar e sair em busca de novos sistemas para incrementar a produção ou a produtividade da fábrica; só que muitas vezes esbarrávamos na mesma pergunta: como e aonde conseguiremos financiamento para implantar esses novos projetos?

As máquinas produtivas sempre foram e continuam sendo muito caras e os financiamentos em instituições especializadas como o BNDES, por exemplo, difíceis de serem aprovados.

Existia ainda outro fator que precisava ser considerado com atenção: dependendo da nossa necessidade, cada tipo de equipamento precisaria de tempos diferentes para que pudéssemos analisar a performance. Algumas máquinas, em questão de 15 dias já diziam a que vieram e se encaixavam ou não nos nossos planos, mas tinha outras que exigiam de 4 a 5 meses para avaliarmos se de fato atenderiam ou não os nossos objetivos.

A turma da Voith era preparada para produzir bons equipamentos e afiada na arte de vender, negociar e isso ajudou para que fizéssemos excelentes negociações que me permitiram adquirir equipamentos de última geração, condizentes com as especificações técnicas necessárias e com as modalidades de pagamento que poderíamos dispor.

Graças ao alinhamento dos diversos fatores citados acima, eu propus ao Frieze que me deixasse experimentar um equipamento de última geração, por 5 meses, sem custos. Se apresentasse o desempenho desejado, nós bateríamos o martelo e caso contrário, nós devolveríamos. Essa proposta foi submetida a análises criteriosas pela equipe da Voith e aceita, desde que fizéssemos um relatório completo sobre o desempenho do equipamento e apresentássemos garantias de pagamento.

A questão do financiamento foi equacionada de uma forma boa para nós e para eles num sistema que batizamos de “conta corrente de garantia”.  Alinhamos que a garantia do pagamento seria uma fazenda de nossa propriedade, que ficaria alienada e conforme fôssemos realizando o pagamento das parcelas do financiamento, as cotas da garantia seriam liberadas até que chegássemos à quitação do negócio. Uma verdadeira negociação ganha-ganha, integrativa, onde as duas partes encontraram vantagem na relação.

Óbvio que esse nível de negociação só foi possível porque eram duas empresas de mente aberta e absolutamente idôneas, caso contrário, seria inviável.

Um desses equipamentos negociados dessa forma está funcionando até hoje, 50 anos depois…

É minha gente, negociar é preciso, vital para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional e só os tolos pensam o contrário.

Quando negociamos praticamos o exercício de nos reinventar e isso não tem preço. (E no meu caso, que penso com a cabeça de industrial, isso se aplica 100%).

Na próxima semana vou continuar nesse tema, contando a negociação mais difícil da minha vida e a que mais tive que juntar esforços para sair vitorioso.

Até lá.

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *