A sorte de lembrar ou relembrar

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Trabalho na Papirus há 55 anos. Na verdade, ela é mais do que um negócio: é a história da minha vida. Sou o proprietário desta empresa que vi crescer, mudar e se reinventar tantas vezes quanto eu mesmo. E, entre tantos dias vividos, a sorte sempre esteve presente — não apenas nas apostas que faço, mas nas lembranças que construí ao longo do caminho.

Lembro-me da primeira vez que fui para Limeira, ainda pela Anhanguera, antes mesmo de a Rodovia dos Bandeirantes ser inaugurada. Estava no meio do caminho, quando avistei um posto de gasolina simples, com um nome que parecia promissor: Lago Azul. Parei para usar a toalete, tomar um café e, sem saber, criei uma tradição que me acompanharia por toda a vida.

Com o tempo, o Lago Azul se transformou. Em 1989, quando a Bandeirantes ficou pronta, os proprietários do posto inauguraram uma versão mais moderna, com restaurante, casa lotérica e parada de ônibus. Foi então que comecei a fazer minhas apostas semanais na loteria. E, até hoje, sempre que quero fazer minha “fezinha”, subo na moto e vou até lá.

Essa relação com jogos começou muito antes, lá pelos meus 13 anos, quando acompanhava meu pai à fábrica da Ramenzoni Chapéus, no bairro do Cambuci. Enquanto ele trabalhava, eu gastava parte da minha mesada jogando no bicho com a ajuda do porteiro. Fazia isso escondido, é claro. E, de vez em quando, ganhava uns trocados que me faziam sentir como se tivesse descoberto um segredo incrível da vida.

As lembranças não param por aí. Ainda consigo visualizar os carros que usávamos na época: o Oldsmobile, o Hudson e, quando ia com meu tio Ibsen, o imponente Packard. Cada veículo parecia carregar não apenas pessoas, mas histórias. E, hoje, essas histórias vivem em mim, mais vivas do que nunca.

De 1972 para cá, não deixei de apostar na loteria. Nunca acertei as seis dezenas da Mega-Sena, mas, certa vez, ganhei um prêmio maior e convidei os amigos motociclistas para almoçar e paguei a conta com gosto. Foi um dia simples, mas inesquecível, porque a verdadeira alegria estava em compartilhar.

O Lago Azul não é apenas um ponto na estrada; é um ponto de encontro com as minhas memórias. Quando chego lá, sou recebido com sorrisos genuínos e uma pergunta que aquece o coração: “Oi, seu Dante! Hoje veio de carro ou de moto?” E, se estou de carro, brinco: “Hoje estou triste!” Eles sorriem, e eu me sinto em casa.

Nem todas as memórias são leves, como a do meu amigo Walter, que trabalhava lá e sempre sonhou em ter uma moto. Quando finalmente conseguiu realizar esse sonho, sofreu um acidente fatal. Sempre que penso nele, lembro-me de como a vida é frágil. É por isso que dou tanto valor a cada café com pão de queijo no Lago Azul, a cada aposta que faço e a cada sorriso que recebo por lá.

Se me perguntarem por que gosto tanto de jogar, eu diria que é pelo hábito de desafiar a sorte. Mas, se me perguntarem por que gosto tanto do Lago Azul, a resposta é mais profunda: é porque ele guarda lembranças valiosas da minha vida.

Nem sempre a sorte está no que ganhamos, mas no que vivemos. Às vezes, o maior prêmio não é o bilhete premiado, mas as histórias que colecionamos ao longo do caminho. Enquanto houver memórias para revisitar e um café quente para saborear, a vida será sempre generosa.

E assim sigo, apostando — não só na loteria, mas na vida. Porque a maior sorte de todas é poder lembrar e relembrar das cenas vividas, em vida, com saúde, serenidade e consciência tranquila.

Em tempo: neste sábado, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, eu estive no Lago Azul com os meus amigos Jorge Brant e Marcus Michelassi, registrei o momento para vocês e, claro, aproveitei para conferir a mega-sena. Ainda não foi dessa vez que acertei as seis dezenas.

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