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Nunca fui um grande navegador, mas já enfrentei tempestades suficientes na vida para entender o que Epicuro quis dizer quando afirmou que “os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.”
A esta altura da vida já aprendi que essa frase do filósofo grego não é apenas poesia, é uma das verdades mais práticas que existem. E talvez seja porque, literalmente, já enfrentei algumas tempestades no mar que essa metáfora faz tanto sentido para mim.
Como já disse em narrativas passadas, tenho vasta experiência como velejador competitivo, participando de regatas. E posso garantir: nada ensina mais sobre a vida do que uma boa tempestade no meio da água. Lembro-me de encontros com ventanias e tempestades fortes na represa de Guarapiranga, onde o medo inicial dava lugar rapidamente à necessidade de sobreviver.
A primeira reação é sempre o medo, isso é natural, humano. Mas depois vem o que separa os homens dos meninos: a ação. Abaixar velas, baixar a bolina para manter a estabilidade do barco, usar todo o conhecimento disponível para se manter à tona.
E aí que aprendi uma das maiores lições da minha vida: quando você se salva sem virar a embarcação, aprende a lidar com o medo, a resolver problemas sob pressão e, principalmente, que depois da borrasca sempre vem a bonança.
Uma das experiências que mais me marcou aconteceu quando eu tinha apenas 10 anos. Estava velejando com duas meninas a bordo quando uma rajada forte nos pegou. Por não ter abaixado a vela a tempo, orgulho de moleque, imagino, o barco virou.
Ali, na água, sob a mira do olhar assustado de duas meninas em busca de orientação, aprendi sobre autocontrole na prática. Não podia demonstrar desespero. Acalmei as companheiras de aventura: “Fiquem quietinhas aí as duas, que eu vou tomar conta. Vamos manter a calma, não se desesperem.”
Esperamos pelo socorro, e todos saímos bem. Mas aquela situação me ensinou algo fundamental: o sucesso e a reputação não são construídos na ausência de problemas, mas sim na forma como enfrentamos e superamos as dificuldades.
A metáfora da navegação se aplica a todas as áreas da vida. Já enfrentei duas tempestades literais sobre duas rodas: acidentes de motocicleta aos 16 e aos 80 anos. Em ambos, mantive o autocontrole, avaliei a situação e, principalmente, acreditei que os ferimentos e problemas “passariam”.
Essa tranquilidade diante do imprevisto não é algo que se nasce sabendo, é algo que se aprende enfrentando as rajadas da vida. Seja uma doença, uma crise financeira, problemas de relacionamento ou qualquer outra tempestade que apareça no horizonte.
O poder do “vai passar”
Se tem uma frase que carrego comigo há décadas é essa: “vai passar”. Pode parecer simples demais, mas é um dos mantras mais poderosos que conheço. Uma tempestade no mar? Vai passar. Uma cirurgia complicada? Vai passar. Uma crise financeira? Vai passar.
A concentração, a calma e o pensamento positivo são essenciais para atravessar esses períodos. E olha que não estou falando de otimismo cego, estou falando de convicção baseada em experiência. Já vi tempestades que pareciam eternas se transformarem em manhãs de sol.
E uma das coisas mais importantes que aprendi é que, em momentos de crise, nossa responsabilidade vai além de nós mesmos. Assim como naquele barco aos 10 anos, muitas vezes temos outras pessoas que dependem da nossa calma para manter a própria serenidade.
Seja na família, no trabalho ou entre amigos, a capacidade de transmitir segurança em meio ao caos é um dos maiores presentes que podemos dar aos outros. E, paradoxalmente, quando nos concentramos em acalmar os outros, acabamos encontrando nossa própria paz.
Grandes navegadores e grandes pessoas
O pensamento de Epicuro continua atual porque captura uma verdade fundamental sobre o caráter humano: nossa reputação, nossa sabedoria, nossa força interior, tudo isso é forjado não nos dias de sol, mas nas noites de tempestade.
As maiores lições são aprendidas na prática, não em aulas teóricas. É enfrentando o medo que aprendemos a ser corajosos. É resolvendo problemas que desenvolvemos sabedoria. É superando adversidades que construímos caráter.
E te digo mais, quem quer viver plenamente deve encarar os desafios com a certeza de que eles serão superados. Não há adversidades que uma mente positiva não possa ultrapassar. Claro que isso não significa que seja fácil. Tempestades assustam, machucam, deixam marcas. Mas também nos ensinam, nos fortalecem e nos preparam para as próximas rajadas que a vida inevitavelmente trará.
Hoje, quando olho para o horizonte, seja da janela de casa ou da memória, sei que sempre há tempestades se formando em algum lugar. Mas também sei que elas carregam consigo uma promessa: a de que, depois delas, o mar fica mais calmo, o ar mais limpo, e nós, um pouco mais experientes.
Se os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais, então cada um de nós tem a chance de se tornar um grande navegador da própria vida. Basta lembrar, quando as ondas estiverem altas e o vento forte, de uma verdade simples que aprendi aos 10 anos, molhado e com medo, mas ainda de pé:
Vai passar.