O experimentador

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Sófocles, lá na Grécia antiga, já sabia de uma coisa que meu pai descobriu na prática muito antes de eu nascer: “É preciso aprender com a prática, pois embora você pense que saiba, só terá certeza depois que experimentar.

Meu pai, Ziro Ramenzoni, nunca leu Sófocles, pelo menos não que eu saiba, mas viveu essa filosofia como poucos. Ele tinha uma frase que me acompanha até hoje, aos 86 anos: “Você não quer experimentar antes? Porque pode ser que você não goste.” Pode parecer simples, mas essa breve pergunta mudou completamente minha forma de encarar a vida.

Meu pai era um leitor voraz, mas nunca foi daqueles que acumulam conhecimento só para impressionar os outros em conversas de amigos. Tudo que ele lia, ele queria testar. Era como se cada livro fosse um manual de instruções esperando para ser colocado em prática.

Durante a guerra, quando a gasolina era escassa, ele não ficou reclamando como todo mundo. Foi lá e adaptou nossos carros – um Hudson 1938 e um Oldsmobile 1939 para funcionar com gasogênio. Imaginem a cena: meu pai, com as mangas arregaçadas, experimentando, errando, acertando, até conseguir fazer aqueles carrões rodarem com uma tecnologia alternativa. Não era teimosia, era curiosidade pura. Ele sempre queria “saber mais”, como dizia. E esse “saber mais” nunca ficava só na cabeça, tinha que virar realidade.

Uma das coisas que mais me impressionava nele era sua capacidade de pegar projetos que já haviam sido campeões em outros países e adaptá-los para a realidade brasileira. Ele construía barcos de corrida que dominavam as competições aqui no Brasil. Não era cópia, era experimentação inteligente. Ele estudava os projetos, entendia os princípios, mas sempre testava modificações, sempre buscava melhorar algum detalhe.

A Chácara dos experimentos

Nossa chácara, próxima à represa Guarapiranga, era o verdadeiro laboratório do meu pai. O terreno tinha trechos elevados e inclinados que apresentavam desafios únicos. Mas para ele, desafio era sinônimo de oportunidade para experimentar.

Quando se deparou com o problema do terreno inclinado, se transformou em um verdadeiro paisagista. Foi lá e construiu uma horta em degraus, com caixas de concreto que desciam como uma escada. Nela, plantou rosas, verduras e até videiras, depois que encontrou um caseiro italiano que sabia plantar uva.

Movido pelo interesse em tudo que lia, ele plantou cerca de 120 mudas de castanhas portuguesas. Após 4 a 5 anos, nossa família colhia as castanhas, que ficavam dentro de espinhos e precisavam ser abertas com cuidado. Essa colheita deixava minha mãe feliz, pois não precisava comprar castanhas no Natal, que eram bem caras na época.

E as alcachofras! Ele plantava em tal quantidade que minha mãe não só não precisava comprá-las, como meu pai ainda as dava de presente para os vizinhos.

Um desses vizinhos, Paulo Bucco, sempre admirava meu pai: “Nunca vi coisa igual ao teu pai, ele só faz coisa que ninguém faz.” Eu respondia: “É por isso que ele tem dinheiro, porque ele só faz coisa que ninguém faz.”

Essa filosofia do meu pai não ficou só na observação, ela moldou completamente minha forma de tomar decisões. Quando chegou a hora de investir meu dinheiro, por exemplo, muita gente me aconselhava a colocar na bolsa. Mas lembrei do ensinamento paterno: “Você não quer experimentar antes?

Decidi investir em construções, entrando em sociedade com amigos construtores. Descobri que era bastante rentável e continuei fazendo isso a vida inteira, inclusive para adquirir imóveis para meus filhos. Não foi sorte, foi experimentação consciente.

Na área da saúde, influenciado por ele, também gosto de experimentar medicamentos naturais, alimentos e suplementos. Um exemplo específico é o caldo de ossos, que comecei a usar para melhorar a saúde intestinal e estou obtendo bons resultados. Poderia ter descartado a ideia como “modinha”, mas experimentei primeiro.

Até meus preconceitos aprendi a questionar através da experimentação. Tinha uma resistência inicial contra produtos chineses, aquela velha ideia de que “não prestavam”. Mas quando resolvi experimentar comprando motos chinesas, fiquei surpreso com a qualidade. Tanto que até presenteei meu filho com uma delas. Isso me ensinou que preconceito, muitas vezes, é apenas preguiça de experimentar.

A diferença entre saber e conhecer

Em algumas circunstâncias, reconheço que tenho uma “cabeça antiga”, especialmente quando vejo as mudanças sociais relacionadas aos jovens. Mas uma coisa que aprendi com meu pai é que é essencial renovar o pensamento para entender e se adaptar ao mundo contemporâneo.

A diferença é que ele me ensinou a experimentar antes de julgar. Quantas vezes ouvi dele: “Antes de dizer que não gosta, você já provou?” Isso valia para comida, para pessoas, para ideias, para tudo.

Hoje entendo que meu pai não era apenas um inventor ou um leitor compulsivo. Ele era um experimentador nato. Sua curiosidade e seu desejo constante de “saber mais” o impulsionavam a questionar tudo e buscar novas abordagens.

Essa paixão pela experimentação e seu sucesso em diversas áreas – desde a concepção de barcos até inovações na chácara, na fábrica, – consolidaram sua imagem como um verdadeiro experimentador. E o mais importante: ele me ensinou que experimentar não é perder tempo, é investir em conhecimento real.

Sófocles estava certo: você pode achar que sabe, mas só tem certeza depois que experimenta. Meu pai transformou essa filosofia em um modo de vida, e eu tentei fazer o mesmo. Seja um teste drive antes de comprar um carro, seja conhecer melhor uma pessoa antes de formar uma opinião definitiva, seja experimentar uma nova abordagem no trabalho, a experimentação é o que separa o conhecimento superficial da sabedoria verdadeira.

Então fica o insight, da próxima vez que alguém lhes oferecer algo novo, uma ideia, uma oportunidade, uma perspectiva diferente, lembrem-se da pergunta do meu pai: “Você não quer experimentar antes? Porque pode ser que você não goste.

Ou, quem sabe, pode ser que vocês descubram algo que mude suas vidas para sempre.

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