Indefesos diante de um elogio

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Caminhava para o escritório nesta manhã quando, sem saber bem por que, comecei a relembrar alguns elogios que recebi ao longo da vida. Talvez tenha sido o sol que batia no vidro do carro nesta manhã fria que me trouxe alguns momentos em que a memória resolve fazer uma retrospectiva não solicitada.

Lembro-me dos professores na juventude me elogiando por ser aplicado e curioso. Havia uma satisfação genuína em seus olhos quando eu apresentava um trabalho caprichado ou fazia uma pergunta pertinente. Mais tarde, no mundo corporativo, funcionários mais experientes me elogiavam justamente pela humildade em buscar conhecimento. “Esse menino quer sempre aprender mais…”, diziam, e isso abria portas que eu nem imaginava existir.

Durante minha gestão na Papirus, os elogios vinham de todos os lados: amigos, sindicatos, associações comerciais, até donos de bancos reconheciam as melhorias que implementamos na empresa. Era gratificante, mas confesso que às vezes me pegava pensando se realmente merecia tanto reconhecimento. Também me elogiavam por aprender línguas rapidamente – tinha facilidade mesmo, era como se meu cérebro fosse uma esponja para idiomas. Nos esportes e hobbies, sempre ouvia que eu fazia tudo “bem-feito“. Parecia que tinha desenvolvido o hábito saudável pela excelência.

Mas há dois elogios que carrego no coração como se fossem medalhas de honra.

O primeiro veio de minha mãe no meu aniversário de 50 anos. Ela me presenteou com um relógio Patek Philippe, que guardo intacto até hoje, acompanhado de um cartão que me emocionou profundamente. Nele, ela agradecia a Deus por tê-los abençoado com um filho como eu, alguém que fazia tudo pela família, que trabalhava incansavelmente com gosto. Imaginem só: eu, que sempre me via apenas como alguém cumprindo meu dever, sendo visto por ela como um protetor, um pilar.

O segundo foi ainda mais impactante profissionalmente. Meu pai me nomeou presidente da Papirus por mérito. Não foi favoritismo familiar, não foi porque eu era filho dele. Foi reconhecimento puro do meu esforço e trabalho. Esse elogio, materializado em forma de responsabilidade e confiança, mudou completamente o rumo da minha carreira.

Entre tantas memórias, me lembrei de uma frase que Freud deixou para a posteridade pensar: “Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio.” Que sacada genial do velho Sigmund! E como essa observação faz sentido quando paramos para refletir.

É curioso como temos tanta dificuldade em reconhecer o valor do outro para elogiar, mas que facilidade temos para atacar! O ataque é quase primitivo, instintivo. Já o elogio exige análise, conhecimento, prontidão para o diálogo. Quando alguém nos ataca, imediatamente ativamos nossos mecanismos de defesa. Mas quando nos elogiam? Ficamos meio sem saber o que fazer, não é mesmo?

Essa “indefesa” diante do elogio não significa que não temos capacidade de nos proteger. O problema é que muitas vezes não conseguimos compreender a real intenção por trás das palavras bonitas. E aí mora o perigo: nem todo elogio é sincero. Existe a bajulação, que é o elogio com segundas intenções.

Aprendi a diferenciar o elogio genuíno da bajulação. O elogio verdadeiro tem um motivo muito forte e é direcionado a quem realmente merece, baseado em talento e mérito observável. A bajulação, por outro lado, costuma buscar algo em troca ou serve para manipular. O bajulador quer algo de você; o elogiador quer algo para você.

A dificuldade em nos defendermos de um elogio mal-intencionado – a tal bajulação – é real, porque não se trata de um ataque direto. É sutil, disfarçado de reconhecimento. Como identificar? Experiência e observação. Com o tempo, você desenvolve um radar para essas coisas.

Refletindo sobre minha trajetória, percebo que minha disposição em gostar de tudo e ter interesse por diversas coisas, desde cedo, me distinguiu dos demais. Essa curiosidade natural, essa vontade de descobrir e aprender, aliada à dedicação em fazer as coisas da melhor maneira possível, foi uma fonte constante de reconhecimento. E esses elogios, por sua vez, moldaram minha identidade e trajetória.

Não é à toa que somos “indefesos” diante de um elogio bem-intencionado. Ele tem o poder de nos transformar, de nos fazer acreditar em potenciais que nem sabíamos que possuíamos. Um elogio verdadeiro pode mudar completamente a trajetória de uma pessoa. Pode ser o empurrãozinho que alguém precisava para se arriscar, para tentar, para acreditar em si mesmo.

Por isso, da próxima vez que você perceber algo genuinamente bom em alguém, não hesite em elogiar. Pode ser que você esteja plantando uma semente que florescerá de formas que nem imagina. E quando receber um elogio sincero, aceite-o. Mesmo que seja difícil se defender dele, permita-se ser “atacado” por esse tipo de reconhecimento.

Afinal, como disse Freud, somos mesmo indefesos diante de um elogio. E que bom que seja assim. Imaginem como seria triste se fôssemos blindados para as coisas boas e sinceras que nos dizem.

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