Nascemos, morreremos e nesse meio tempo a vida acontece

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Nos meus tempos de menino, eu costumava acompanhar o meu pai em alguns velórios e eu não entendia muito bem por que as pessoas contavam piadas em velórios.

Sério!

“Mas Dante, velório, enterro não é programa de menino…”

Por que, não? Morte faz parte da vida. Não tem porque evitar falar sobre o tema e para mim sempre foi um assunto muito natural.

E na atualidade, entendo que contar piada era uma forma de demonstrar que não estavam chorando, que não estavam tristes, inconscientemente um disfarce para ignorar a presença da morte.  (E as piadas eram sobre mortos, normalmente especulando como deve ser a vida pós- vida, do outro lado do universo.)

Eu sempre conversei com a maior naturalidade e abertamente com o meu pai sobre esse tema “por que as pessoas precisam chorar a morte? É uma coisa tão natural… assim como o nascer, a morte faz parte do processo de vida do ser humano. Portanto, é algo extremamente natural do ponto de vista biológico.”

Por volta dos meus 11 anos, eu morava na rua dos Franceses, localidade carinhosamente chamada de norte do Bixiga para ilustrar que se tratava da área nobre do bairro, e quando morria alguém, o diálogo que acontecia entre mim e meus amigos do lado sul era mais ou menos assim:

_ Fulano de tal morreu!

_ Já está sendo velado?

_ Sim!

_ Então precisamos ir!

_ Vamos!

E naquela época, as pessoas colocavam um lenço ou uma fralda envolvendo o rosto da pessoa morta e amarravam na cabeça para que ela não abrisse a boca em pleno velório. (Vai que o morto decidisse “cantar” pra subir mais rápido?)

E lá íamos nós, uma turma de 10/15 garotos bater na porta do defunto.

_ Nós podemos ver o fulano de tal? (e falávamos o nome certinho do finado…)

_ Por favor!

Entrávamos quietinhos, sem muita algazarra e lá estava o morto, muitas vezes cercado de carpideiras, chorando a morte de quem, na maior parte das vezes, nem conheciam. Estavam lá porque fazia parte do ofício.

E as pessoas falavam baixinho:

_ Vocês querem um copo de água? Querem comer alguma coisinha?

Comíamos empadinhas, coxinhas de galinha, bolo, docinhos… Uma delícia!

Por causa deste tipo de experiência, desde menino, a morte nunca teve a conotação de algo que nem se deve falar para não atrair.

Quando eu voltava para casa, minha mãe questionava, “mas vocês foram lá, no velório? Criança não devia ir a este tipo de evento.”

E eu disfarçava e dizia, “curiosidade… nós queríamos ver de perto…”

E isso tudo foi me ensinando que a morte é uma coisa normal.

Levamos a vida e aonde a vida nos leva?

Qualquer que seja a sua resposta, o ponto de parada é quando você der o último suspiro. Uma coisa que pode acontecer desde o momento em que nascemos…

Entendi claramente isso aos 12 anos, quando perdi um amigão, da mesma classe minha na escola, Cláudio Rosiello. Ele era filho de uma professora do Colégio Dante Alighieri que lecionava Matemática na nossa turma. Imagina!

Um amigo tão jovem quanto eu, muito querido e que ia de bicicleta para a escola. (Eu queria muito ir, mas meus pais não deixavam; então eu ia de bonde nos dias de tempo bom ou de carro nos dias chuvosos!)

Pois bem, um belo dia, Cláudio estava a caminho da escola, resolveu “chocar caminhão” (segurar no caminhão para embalar sem pedalar), o motorista não viu, apareceu um buraco e ele foi parar embaixo da roda do caminhão.

Foi o primeiro tranco forte sobre morte que eu recebi na vida. Um enterro muito triste, porque perder um amigo dessa forma e com 12 anos… faz a gente amadurecer antes do tempo, sem mi mi mi.

Então, morte é um tema delicado, considerado funesto e tenebroso?

SIM!

Muitos de nós evitamos falar abertamente.

Mas falar da morte é falar da vida; é justamente quando nos permitimos falar sobre nossa particular finitude que aprendemos mais sobre a plenitude e significado da vida.

Entretanto, o ser humano caracteriza-se também e, principalmente, pelos aspectos simbólicos, ou seja, pelo significado ou pelos valores que ele imprime às coisas. Por isso, o significado da morte varia necessariamente no decorrer da história, entre as diferentes culturas humanas e as profissões que exercemos.

Os médicos por exemplo não costumam ir aos enterros dos pacientes. Eles os acompanham enquanto vivem… depois não faz mais sentido. Não visitam mortos.

O médico que acompanhou o meu pai em seus últimos, Dr. Piero Manginelli, filho do Dr. Luigi Manginelli, que meu pai conhecia desde mocinho, foi incansável na luta pela vida de Ziro Ramenzoni, praticamente morava na casa do meu pai, mas quando ele morreu, ele deu um beijo na minha mãe, nos filhos e foi embora. Não foi ao enterro e era um grande amigo.

Tempos depois, eu perguntei para ele porque não havia comparecido ao enterro de meu pai e ele disse; “Dante, já pensou se os médicos fossem a todos os enterros das pessoas que cuidam e se vão…”

Lembro-me também, de uma casa de eventos fúnebres em Miami, em Coral Gables, que ficava próximo ao apartamento em que passava temporadas mais longas por lá.  No jornal local, eles anunciavam “o melhor croquete de Miami!” e eu fui lá conferir, acompanhado de um amigo.

(Não era propaganda enganosa, não!)

Nesta visita, descobri que, caso eu quisesse contratar o local, eles forneciam tudo, menos as bebidas alcóolicas, essas ficariam por conta dos familiares.

A realidade é que vamos a velórios por vários motivos: prestar uma última homenagem a algum ente querido que partiu, consolar a família etc. Nos sentimos compromissados em compartilhar a tristeza dos familiares e de algum modo dar um forte abraço, oferecer nosso ombro amigo e compartilhar sua tristeza; até onde sei, só humanos seguem rituais dos mais variados em todo o mundo, mas basicamente com o mesmo objetivo; despedida e consolo.

E quando nos deparamos com a morte de perto, acometendo alguém com quem mantínhamos vínculos mais estreitos, na verdade paramos por uns instantes e reservamos um tempo para nós, ainda que ninguém saiba, ninguém perceba e nos damos conta do sentimento de finitude.  

Pensamos na esposa ou marido. Nos filhos. Nos amigos. Naquilo que estamos há tempo querendo e adiando; férias, viagem, realizar um sonho, pedir perdão e fazer as pazes com quem precisamos…

Por isso os velórios vão continuar a cumprir seus papéis; as pessoas vão endeusar os mortos como se fossem santos (depois da morte todo mundo vira santo!), mas as nossas reflexões devem se voltar para outra direção. Na sensibilidade de quem não espera ter um episódio de morte para perceber como é bom viver e em paz, em qualquer momento e lugar. Sempre!

No mais, você é a única pessoa que decide como será lembrada.

Em tempo e para rir um pouco: acabei de lembrar de um Programa do Jô em que ele entrevistou Hebe Camargo, Nair Belo e Lolita Rodrigues e elas deram um show contando de um velório do marido de uma prima da Nair, em que foram juntas (e elas fizeram isso muitas vezes!).

Um dado momento, Nair chegou para a viúva, perguntou se ela estava precisando de alguma coisa, ela disse que queria ir ao banheiro. Nair a acompanhou e ela disse que a orelha estava doendo muito.

Nair perguntou seriamente: por que será?

No que a prima respondeu “eu estou usando um brinco de tarraxa, as pessoas vêm me cumprimentar, apertam as minhas orelhas e está machucando…!”

Quem quiser assistir a hilária entrevista na íntegra, só pesquisar no YouTube!

2 Comentários


  1. Bom dia , me lembro do Senhor Dante , era menino e meu avo Dr
    Luigi Manginelli sempre estava na casa do Sr. Ziro pois frequentávamos o Yate Clube Ytaupu , eu Riccardo Manginelli Massignani moro ha muitos anos em Ubatuba. Abraço Dante.

    Responder

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