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Meus pais eram amigos da família Verdier. Eles comercializavam lanchas e motores de popa para esportes náuticos, em São Paulo e eram sócios de uma fazenda imensa no Pantanal, a fazenda Bodoquena.
Os outros sócios desse empreendimento eram os Rockfeller e os Moreira Salles, banqueiros de grande destaque no cenário econômico dos Estados Unidos e do Brasil.
A fazenda Bodoquena era uma propriedade com mais de 400 mil hectares, cortada em seu auge por 150 km de estradas de ferro, com 11 campos de pouso e 80 mil cabeças de gado, situada na fronteira entre Mato Grosso, Paraguai e Bolívia. A paisagem do Pantanal agradava a família de seus proprietários e a seus amigos, e a fazenda foi visitada por personagens famosos, como os Rolling Stones e o príncipe de Luxemburgo. Em 1980, a propriedade foi vendida para um consórcio do qual faziam parte os grupos Ometto, Bradesco e Votorantim.
Meus pais elogiavam bastante essa propriedade, porque eles estiveram por lá duas ou três vezes e foram muito bem recebidos.
Na primeira viagem deles para o Pantanal, eles ficaram hospedados na fazenda Bodoquena, gentilmente convidados por Maurício e Lisah Verdier e minha mãe se encantou com as belezas naturais à sua volta.
Ela gostava de contar que as boas-vindas foram dadas por dois macacos grandes, da raça Bugio, domesticados e muito simpáticos. O macho se chamava “Doutor” e a fêmea se chamava “Gia”. Minha mãe estava ainda no quarto, quando “Doutor” pulou pela janela e começou a mexer na bolsa dela, cheio de graça. Ela dizia que ele era “tão bonzinho” que nem sentiu medo.
Por volta dos meus 17 anos, Maurício me perguntou se eu não queria ir visitá-lo no Pantanal para conhecer a fazenda Bodoquena, pois o seu Ziro, meu pai, estava com intenções de comprar uma fazenda e dessa forma eu já poderia ir me ambientando com esse tipo de negócio.
Nessa época, eu já estava aprendendo a pilotar avião para tirar o meu brevê e uma das cenas que mais me chamou a atenção nessa primeira visita à fazenda Bodoquena foi quando avistei um monte de aviões parados. Eu perguntei porque eles estavam ali aterrissados, sem utilidade e a pessoa me disse que não tinha quem os pilotasse.
Tratei logo de deixar registrado que da próxima vez já poderia colocá-los no ar, pois estaria habilitado para pilotar aeronaves daquele porte.
E de fato, no ano seguinte, com mais essa motivação de poder voar, assim que entrei de férias, lá fui eu de volta para a fazenda Bodoquena.
Na chegada, não contive a ansiedade e já fui logo perguntando: “os aviões que estavam parados por falta de pilotos, eles ainda estão por aqui?”
_ Sim!
_ Então, eu me proponho a trabalhar de graça para vocês para levar o material de apoio que precisa chegar até os retireiros em seus retiros.
Esses retireiros estavam espalhados pela fazenda, cerca de 15 núcleos habitacionais, em meio a 170 mil alqueires de terra e água.
Eu já tinha uma ideia desses núcleos porque da primeira vez havia sobrevoado a área com um dos pilotos que estavam por lá.
Pois bem, dessa vez, eu recebi a incumbência de tomar conta de 5 núcleos, os de numeração de 1 a 5. Teria que levar tudo o que precisasse ser transportado para os retireiros e trazer de volta o que tivesse que vir para a fazenda, agilizando os serviços na fazenda, pois de outra forma, esse material teria que ser transportado por cavalos, o que demandaria mais tempo e uma logística bem mais complexa para organizar.
(Precisaria escalar cerca de dois ou três peões e seus cavalos, cavalos para levar as cargas, mulas reservas caso algum cavalo se acidentasse…)
E era exatamente isso que eu queria fazer naquele momento. Pegar aquele Cessna 182 inteirinho nas minhas mãos, sobrevoar aquela imensidão de terras do Pantanal que estavam bem ali acenando para mim, a 350km por hora!
Foram tempos de muitas descobertas incríveis para um jovem de apenas 17 anos. (Parecia o personagem Joventino da novela Pantanal!)
Esses aviões eram muito seguros e tempos depois, eu e meus irmãos conseguimos que nosso pai comprasse um para a nossa família, em São Paulo.
Com essa experiência eu aprendi a ser um piloto de verdade e comecei a conhecer o Pantanal muito bem, da melhor forma possível, do alto.
E não pensem que eram pistas improvisadas, não! Era tudo muito bem cuidado.
Nestas minhas idas e vindas, eu levava principalmente alimentos e medicamentos, para os retireiros e seus familiares e também para o gado. A fazenda possuía cerca de 150 mil cabeças de gado à época.
Pena que o visual lá de cima não se apresentava tão deslumbrante como eu esperava porque era época de seca, da baixa dos rios, quando eles estão com menos quantidade de água.
Então não foi um cenário tão impressionante quanto esse que passa todas as noites na novela Pantanal.
Mas uma outra atividade que me impressionou bastante nesta segunda ida à Fazenda Bodoquena é que eles estavam recepcionando alguns caçadores americanos que iriam participar de uma caçada. (Naquela época ainda era permitido fazer caçadas.)
Fiquei responsável para transportar de avião tudo o que fosse necessário em termos de suprimentos e mercadorias para a realização da caçada. Também transportei os cachorros que ajudariam no rastreio dos animais que seriam caçados e claro, os caçadores visitantes.
Quando já estávamos em terra, aí sim, em alguns trechos dos rios, pude apreciar a beleza das águas transparentes, onde se podia ver limpidamente peixes e camarões.
Em outros trechos, os cavalos iam afundando e depois voltavam à tona. Uma sensação muito diferente e gostosa.
Durante o percurso por terra, tivemos um pequeno acidente, em que o Toninho, o nosso guia, se feriu com a sua faca e cortou o joelho. Como o sangue não estancava, nós o colocamos no avião e o levamos até Aquidauana e aí, sim, ele foi medicado e deu tudo certo.
A rotina na sede da fazenda
Almoço ao meio-dia.
Jantar entre seis e meia e sete horas da noite.
Serviam arroz, feijão, milho, carne de boi, de frango, peixe em menor escala.
Às vezes serviam porco do mato. Uma carne magra, saudável e deliciosa.
Também serviam carne de veado, uma carne branca com sabor que se assemelha à carne de paca.
Eles comem paca, mas não comem capivara. Acreditam que transmite febre aftosa.
Outro costume que percebi no Pantanal foi que as pessoas apreciavam o que eles chamam de Tereré, bebida de erva-mate tomada com água fresca, que roda de mão em mão, para refrescar das altas temperaturas.
E assim como na fazenda do José Leôncio, toda a comunicação era feita através de radioamadores.
Peixes pescados: dourado, bagre, pintado, que eram colocados na brasa e ficavam deliciosos.
Diversão à noite: jogo de cartas e roda de viola.
Depois dessa viagem, eu voltei várias outras vezes para participar de pescarias com meus irmãos, com amigos e mais tarde com meus filhos, que também se encantaram pelas histórias e belezas do Pantanal.
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Adorei fiquei muito interessada na história gostaria de saber mais