Aprender a aprender

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Nesses tempos altamente tecnológicos, não me canso de pensar em como a cultura hoje é tratada como algo secundário, tão diferente dos meus tempos pueris, quando meus familiares, com destaque absoluto para o meu pai, valorizavam a cultura como bem maior.

Já se vão muitos anos em que comecei a perceber que as pessoas não têm interesse em saber de onde vieram, não se orgulham de seus sobrenomes (escrevi até um post recente sobre isso e que foi bem comentado!)

Então vale aqui uma reflexão: o Brasil é resultado de variadas imigrações. Muitas civilizações vieram para cá procurando trabalho, outras para dar vazão ao ímpeto de desbravar novas terras e isso provocou uma grande miscigenação.

Isso foi muito bom, na verdade podemos considerar uma verdadeira bênção pois dessa forma pudemos aprender tantas coisas, ampliar nossa visão de mundo, abrir os nossos horizontes, aprender novos hábitos e costumes que pertenciam a esses povos e eles dividiram com a gente.

Árabes, sírios, libaneses (que nós chamávamos a todos de turcos!), armênios, italianos, japoneses, chineses, espanhóis, portugueses… cada um com suas riquezas e com suas diferenças educacionais, alimentares, gestuais, sociológicas, religiosas, morais etc. Bastava querer aprender, ser só um pouquinho curioso e prestar atenção na vizinhança.

Desde os anos 20, meus avós moravam na Bela Vista, um bairro formado por árabes, sírio-libaneses, franceses, alemães, ingleses e a convivência era muito compartilhada no dia-a-dia.

Lembro-me dos meus tempos de menino em que era muito comum frequentar a casa dos vizinhos, receber e visitar os amigos da vizinhança. Nossa! Eu adorava o sabor das comidas diferentes das que eu comia na minha casa e aprendia muita coisa só de observar os costumes, os trejeitos, as crenças.

Eu morei em um casarão na rua dos Franceses que abrigava pessoas de várias partes do mundo por toda a sua extensão até a Avenida Paulista. E ia distinguindo tantas coisas, aprendendo que o conhecimento podia se manifestar de várias formas, até no jeito como eu olhava para as pessoas.

Na frente da minha casa morava uma família metade portuguesa e metade alemã. O lado lusitano vinha da família Villares, que montou a fábrica de aço e também a fábrica de elevadores Atlas. O lado germano carregava o sobrenome Diedericksen. Eu me recordo bem dessa família porque uma das sobrinhas do Luís Dumond Vilares, (grande amigo de meu pai), era muito bonita (sempre gostei de apreciar a beleza feminina desde criança) e quando ela se casou com o Eric Diedricksen, eles tiveram filhos lindos, louros de olhos azuis.

Atrás da minha casa, morava uma família de italianos cujo sobrenome era Parente, também amigos do meu pai. Eu e meus irmãos praticávamos o idioma pátrio de minha família com bastante desenvoltura com os filhos deles, que tinham idades próximas às nossas.

Mais à frente tínhamos os sírios (gostava muito de visitar o meu amigo Robertinho Geha), os libaneses (família Maluf), outros amigos italianos que moravam na rua Joaquim Eugênio de Lima.

Essas famílias de várias nacionalidades, como a minha família, tinham uma prole de 4/5 filhos (antigamente os casais tinham mais filhos do que hoje) e nós conhecíamos a rua inteira, convivíamos numa boa, adquirindo conhecimentos gerais variados. Uns estudavam no Colégio Dante Alighieri como eu (italianos, árabes); os alemães estudavam em escolas da sua língua e os brasileiros estudavam no Colégio São Luís, coordenado por padres jesuítas e que se localizava na Avenida Paulista.

Cada um desses vizinhos trouxe um pouco da cultura, da culinária e da arquitetura de seu país de origem. Os árabes construíam suas próprias casas, com um estilo que me lembrava dos filmes que assistia no cinema. Quando eu entrava na sala era um show de cores, tapetes incríveis, mesas baixinhas, os bules das histórias de Aladim… E quando chegava na cozinha, eu adorava comer os charutos com folha de uva, as esfihas e as coalhadas.

Os alemães colocavam detalhes europeus bem característicos, porém eram mais espartanos. Na hora do lanche, serviam os sanduíches mais deliciosos que já havia comido até então, muitas vezes acompanhados de salsichas saborosíssimas.

Já na casa dos italianos não podiam faltar as “pastas” e todas as outras iguarias que minha mãe servia em nossa casa e eu também comia na casa dos amigos. Não existia também a menor chance de não ter muito mármore, ornamentos em vidro (bem coloridos!) e ferro, pisos com mosaicos feitos de pastilhas. Naquela época, meu pai conhecia muitos artistas que faziam verdadeiras obras de arte com mosaicos em poucos dias e um dia pediu para um deles fazer um mosaico maravilhoso para colocar no bar que tínhamos em casa.

Nosso país tem uma diversidade incrível e quem se interessa em descobrir essa “miscigenação cultural” aprende coisas novas todos os dias e se qualifica melhor para a escola da vida.

E eu, continuo achando que as pessoas deviam prestar mais atenção na vizinhança, dos locais de moradia e também dos ambientes de trabalho, pois vão se deparar com inúmeros conteúdos úteis e até engraçados.

O Brasil é um território multicultural, com inúmeras curiosidades interessantes trazidas pelos povos imigrantes! Cada um deles modificou um pedacinho do país e eu aprendi muito com essa minha vizinhança dos meus tempos de menino. Aprendi principalmente que precisamos aprender a aprender.

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