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Na atualidade, a novela Pantanal vem conquistando o coração dos brasileiros de norte a sul do país, no horário nobre da TV Globo, por intermédio das histórias simples, deliciosas e envolventes vividas por seus personagens Zé Leôncio, Joventino, Juma Marruá, Tibério entre outros, da mesma forma como aconteceu em 1990, quando foi exibida na extinta Rede Manchete e eu acompanhei todos os capítulos.
Eu vou contar para vocês que me encantei pelo Pantanal Mato-Grossense-do-Sul, grafado em letra maiúscula por ter características únicas no mundo e ser reconhecido pela Unesco como patrimônio natural da humanidade, através das histórias contadas pelo Dr. Evaldo Foz, médico generalista e gastroenterologista do Hospital Oswaldo Cruz, que cuidava de mim e dos meus irmãos na nossa infância e adolescência.
Quando Dr. Evaldo vinha realizar as consultas em nossa casa, gostava de prosear e contava muitas histórias de suas pescarias no Pantanal.
Meus irmãos e eu gostávamos dessas histórias porque crescemos passando os finais de semana e férias escolares na chácara da família em Santo Amaro, onde uma das nossas atividades mais praticadas e prazerosas era justamente a pescaria.
Nosso doutor pescador e contador de histórias dizia que os primeiros habitantes da região do Pantanal foram os povos indígenas Xaraés, que deram origem ao primeiro nome do lugar: Mar dos Xaraés. Eles se concentravam nas nascentes do Rio Paraguai e, segundo nosso contador de história, eram possuidores de muito ouro e prata.
De tanto ouvir as histórias pantaneiras, eu e meu irmão Lamberto ficamos motivados a participar de uma pescaria em Mato Grosso e foi assim que decidimos planejar a nossa primeira aventura para a região Centro-Oeste do Brasil, seguindo as dicas valiosas do Dr. Evaldo Foz, que nos indicou a assessoria do Adão, um nativo mestiço do Pantanal, para nos orientar sobre os preparativos para a viagem e também nos dar todo o suporte quando chegássemos lá.
Nas férias de meio de ano, orientados pelo Adão, arrumamos as nossas malas e seguimos de avião até Campo Grande. Nosso mentor foi nos esperar de caminhonete para fazermos as compras em Aquidauana, uma cidade que fica a 100km de Campo Grande.
Isso aconteceu no ano de 1953, eu tinha 14 anos e nessa primeira pescaria pantaneira, que durou cerca de duas semanas, eu viajei com o meu irmão Lamberto, o Giancarlo Prada, Cláudio Bardella e Roberto Lenci.
Chegando no Pantanal, encontramos o pessoal que nos auxiliaria nas tarefas diárias do acampamento. Sim, nós ficamos acampados em terrenos pertencentes a fazendeiros locais, na beira do rio onde iríamos pescar, com as devidas autorizações dos proprietários.
Tinha jacaré? Sim! Mas eles não estavam nem aí para a gente.
A rotina nessa primeira viagem foi mais ou menos assim: nós acordávamos junto com o sol, assim que ele abria os olhos, e dormíamos após o jantar, seguindo o ritmo da natureza, que escurecia após o pôr do sol.
O café da manhã era feito e servido por um senhor muito simpático que eu não me lembro o nome. Tinha leite, café, bolachas, manteiga, queijos e nós comíamos todos juntos, meninos e equipe de cuidadores-práticos.
Quando queríamos tomar banho pela manhã, dávamos um mergulho no rio e nossos anfitriões nos traziam sabonetes, shampoo e toalhas secas. Não havia ninguém, apenas nós, que nos divertíamos a valer.
Na hora de sair para pescar e caçar, entrava em cena o Dede, especializado em pesca e caça, eles aprontavam os dois barcos e seguíamos em duas duplas para ir em busca da proteína que comeríamos nas próximas refeições. Entre uma pescaria e outra, caçávamos algumas presas fáceis, a exemplo do porco do mato, da paca, só para variar o cardápio e o Dede sempre que se referia a nós gostava de dizer “esses meninos são gente muito boa e levam jeito para pescar e caçar!”
Nesses passeios, nós conhecemos vários índios nativos que acenavam pra gente quando passávamos de barco próximo às suas aldeias.
Após o almoço, com a temperatura acima de quarenta graus, dava a maior preguiça e nós tirávamos uma soneca para recobrarmos as energias para as aventuras da tarde: jogar bola, descobrir novos lugares para caçar, tomar banho de rio e comer a nossa matula, os lanchinhos… sanduíches deliciosos que aquecíamos na fogueira para aguentar esperar chegar a hora do jantar.
Ao final da tarde, tinha um chuveiro improvisado, com água aquecida na fogueira, porque a água do rio era muito gelada.
Depois do jantar, sentávamos em roda, embaixo de um pé de árvore e ouvíamos histórias, que lá recebiam o nome de “causos”. Eram histórias sobre lendas, fatos do cotidiano dos nossos acompanhantes, muitas vezes embaladas pelo som de alguma viola. Era bom demais!
Ao cair da noite, nós dormíamos bem acomodados no saco de dormir porque fazia muito frio e também para ficarmos mais protegidos.
Por falar em proteção, nós usávamos um facão preso à cintura, caso precisássemos nos defender de algum bicho mais ousado e também para ajudar a abrir caminho durante os percursos pelo mato.
Posso dizer que essa experiência foi tão enriquecedora que, nos anos seguintes, nós voltamos com outros amigos no mesmo período do ano e nunca aconteceu nenhum incidente ou alguém se machucou. Foram eles Kiko Araújo, meu irmão Virgílio, Gino Sonzogno, Ricardo Lenci, Roberto Tocchini, Arnaldo Carraro, nosso tio Renzo Scalini, até chegarmos a ir com nossos filhos, que mais tarde continuaram visitando o pantanal por conta própria e, melhor dos mundos, nos convidando. E claro que aceitamos!
(Uma pena que o pai do meu amigo Henrique Manograsso não o deixou ir conosco na adolescência, por receio que ele se ferisse mortalmente, tirando a vida de seu único filho homem. Tivemos que esperar vários anos à frente para realizarmos essa viagem juntos!)
Hoje, vendo as histórias do Pantanal em evidência, penso que ter desbravado essa região ainda tão jovem foi um privilégio! Conheci um país com outro sotaque, outro ritmo de vida, que me inspirou muitas outras idas a esta região, que contarei para vocês em outra oportunidade.
Até lá!
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